Na oitava edição da ”Coluna do Guga”, assinada pelo Jornalista Gustavo Demétrio, o leitor terá a análise sobre os ”Guardiolistas” na MLS e como alguns aspectos de uma dificuldade na execução deste estilo na liga é semelhante ao que acontece no futebol brasileiro.
Pep Guardiola foi a última pessoa a fazer uma revolução na estrutura de como os times jogam futebol. O seu memorável Barcelona, de 2008 até 2012, encantou o mundo e estabeleceu outros paradigmas. O ‘’jogo de posição”, a ‘’pirâmide invertida”, a posse de bola como caminho para alcançar outras potencialidades, tudo isso foi aplicado à máxima rigorosidade e sincronia, quase de forma matemática. Essa maneira de esquematizar o jogo, embora não criada pelo técnico catalão (mas aperfeiçoada), influenciou outros tantos da profissão. A isso, é comum nomear-se de ‘’Guardiolismo”, que também, claro, alcançou o território da Major League Soccer e atualmente vem encontrando um contexto difícil, de altos e baixos, para se desenvolver com a cara, o suor e as especificidades americanas – um pouco do mesmo que acontece na elite do futebol brasileiro com este estilo de pensar futebol.
Confira abaixo dois exemplos sobre esta situação na MLS e um paralelo com o Brasileirão:
PETER VERMES
Nos Estados Unidos, o maior expoente do ”Guardiolismo” é Peter Vermes, treinador do Sporting Kansas City desde 2009, o que o torna a pessoa nesta função há mais tempo ocupando o cargo. No clube do Missouri, até aqui, ele conseguiu feitos como o título da MLS, em 2013, além de duas Copas Nacionais e uma sequência de nove playoffs consecutivos, marca esta que foi interrompida em 2019 e é a segunda maior da história da liga.
Utilizando os conceitos anteriormente citados, mas obviamente com alguns detalhes moldados em seu contexto no SKC, Vermes tem um passado vencedor e aparentemente inquestionável, mas com a transformação da MLS nos últimos anos, seja pelo maior repertório tático ocasionado pela chegada em massa de técnicos de diferentes países, com diferentes visões, ou pelo novo estilo de formação do jogador médio americano, isso acabou por gerar dificuldades e uma clara queda no desempenho do seu time. Temporada de 2019 os playoffs não foram alcançados, em 2020 eliminação vexatória em casa para o Minnesota United no mata-mata e campanha fraca no MLS Is Back, sempre com um ar de que o time estava ”amarrado”, ”muito fixo”, ”sem movimentações”. Estes questionamentos, claro, são um resultado do reflexo do jogo de posição que está encontrando barreiras para ser executado.
DOMÈNEC TORRENT
O ”Guardiolismo” também é obra de Domènec Torrent, que foi auxiliar de Pep em Barcelona, Bayern de Munique e em parte do trabalho no Manchester City, quando em 2018 subiu um degrau e passou a comandar um time: o New York City, na MLS. Apesar de não estar mais na liga, Torrent é um ótimo exemplo para exemplificar as dificuldades que esse estilo vem tendo nos EUA.
Assim como Vermes, Torrent tem um começo avassalador na liga. Fez a melhor campanha da história do New York City, conseguindo liderança na Conferência Leste, em 2019, no seu primeiro e único ano completo no campeonato. Todavia, pairou muita desconfiança mesmo no auge. Séries longas de derrotas, muitos gols sofridos, incapacidade em partidas fora de casa e, claro, as mesmas reclamações que o técnico do SKC sofreu no sentido do futebol apresentado ser estático.
MLS, BRASILEIRÃO, CONTEXTO E OS PINGOS NOS ”IS’
O ponto chave para o entendimento desta discussão é não só nível abaixo apresentado por Vermes e Torrent, mas também as reclamações em comum que ambos receberam sobre seus estilos, exemplificadas anteriormente. Então, para colocar os pingos nos ”is” é imprescindível ressaltar que a revolução feita por Guardiola foi com base num estilo já existente, que estava adormecido no Barcelona, o ”Cruyffismo”, que a partir de determinado momento o clube utilizou esta filosofia para gerar garotos na base. O time blaugrana muito vencedor, tinha variavelmente oito jogadores formados em ”La Masia” na titularidade na maioria das partidas históricas, sem contar alguns outros que vinham do banco.
Ou seja, para se aplicar o ”Guardiolismo” é necessário o entendimento dos seus atletas sobre o estilo, em todos os detalhes, inclusive. É necessário que absolutamente toda a visão sobre o futebol seja revolucionada em quem entra em campo. Cada jogador tem que passar por uma revolução individual. No caso daquele Barça, isso não era necessário para todo o time, porque Piqué, Puyol, Busquets, Xavi, Iniesta, Pedro e Messi (time de 2011) já cresceram vendo o futebol sobre um aspecto que incluía o jogo de posição e seus pormenores, que são pilares inquebráveis desse estilo. E os jogadores que agregavam o restante da escalação foram cuidadosamente escolhidos por Guardiola para terem recursos para aplicarem isto, casos de Eto’o, Henry, Rafa Márquez, entre outros, como no time de 2009/2010.
Em outras palavras, se você importa este esquema e quer aplicar num time já estabelecido, com jogadores já formados, há de precisar de uma revolução ou da contratação pontual dos jogadores certos. Vermes, com a mudança do perfil da MLS, que o dificultou ainda mais, tem tentado mudar isso contratando alguns jogadores que passaram por ”La Masia”, como Fontàs e Ilie Sánchez. Mas, pelo contexto nos Estados Unidos ser de outro desenvolvimento de compreensão do jogo nos jovens atletas, o restante do time, mesmo os contratados de países afora, tem dificuldade.
Já Torrent é o ponto de ligação desta discussão. Sua passagem pelo Flamengo tem aspectos parecidos com Vermes em Kansas City, com o acréscimo da bagunça e falta de paciência dos dirigentes brasileiros. Os jogadores do time rubro-negro não quiseram passar por esta mudança total, ou porque não conseguiram entender ou por saudades de um estilo diferente, o de Jorge Jesus, que os levou à glória. A mão de obra tem que ser moldada para que isso dê certo. Outro exemplo disso é Jorge Sampaoli, adepto desta filosofia, que no Atlético MG foi abaixo por este contexto (inclusive a necessidade constante de contratações em seu trabalho em Minas tem haver com isso). Os recém chegados ao Brasil, como Crespo no São Paulo e Ariel Holan no Santos, que também bebem dessa fonte, passarão por maus bocados nas críticas de pessoas que não sabem como são esses processos.
Isso se deve ao fato de que, tanto os jogadores formados nos Estados Unidos (até um tempo atrás, porque isso vem mudando) e no Brasil, são muito mais instintivos – por motivos diferentes. Nos EUA, até então, por incipiência do próprio esporte, já no país tupiniquim por acreditarem primeiro na individualidade, no desequilíbrio do imprevisível. Isso, inclusive, ajuda outro estilo de jogo a se adequar melhor nessas ligas, como a do próprio JJ, que estruturalmente favorece esses aspectos. Assim como na MLS, técnicos como Brian Schmetzer tiveram grande sucesso, pois o contexto os favorece.
(Capa: Reprodução/Site NYCFC)